Projeto RAICE combate a escravidão no Sudeste do Pará

MPT e Justiça do Trabalho destinaram valores para Programa piloto da Comissão Pastoral da Terra, que propõe estratégia de combate ao trabalho escravo contemporâneo, aliando ações das comunidades e do poder público

“Resgatar trabalhadores da escravidão é importante, mas não liberta”. Essa ideia foi o ponto de partida para o programa Rede de Ação Integrada para Combater a Escravidão (RAICE), desenvolvido pela Comissão Pastoral da Terra, a CPT, nos municípios de Itupiranga, Novo Repartimento e Tucuruí (PA), com apoio do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho da 8a região. As ações combinam a criação de redes municipais de enfrentamento ao trabalho escravo e fortalecimento das comunidades onde vivem famílias de trabalhadores vulneráveis.

O projeto teve início em 2015 e é um piloto de uma nova metodologia proposta pela CPT. Em um primeiro momento, foi realizado um diagnóstico para identificação dos municípios e das comunidades vulneráveis ao trabalho escravo no sudeste paraense. Com base em banco de dados sobre trabalhadores resgatados, visitas e entrevistas com diversos atores, foram selecionadas previamente comunidades nos 3 municípios.

Depois disso, a partir de 2018, a pastoral realizou visitas a diversas instituições do poder público municipal nas três cidades, para articular a formação das redes. O objetivo é sensibilizar agentes públicos e da sociedade civil para que as políticas públicas municipais sejam direcionadas prioritariamente a famílias de trabalhadores vítimas da escravidão ou em situação de vulnerabilidade. As condições de pobreza acabam favorecendo o aliciamento e empurram os trabalhadores para situações degradantes de trabalho.

“Neste primeiro momento, as várias instituições passaram por um processo de formação sobre a temática do trabalho escravo, como se faz um acolhimento, como se denuncia, a que políticas públicas de inclusão tem direito o trabalhador que é resgatado do trabalho escravo”, explica Hilário Lopes, agente da CPT.

Em Itupiranga, a adesão da prefeitura contribuiu para o engajamento da rede de assistência social. “Todos os dias pela manhã as pessoas vêm para o atendimento do bolsa família e atualização cadastral. A gente já passa informação para eles em relação ao trabalho escravo para eles terem conhecimento e a gente pode identificar se realmente acontece na comunidade dele, lá na zona rural onde eles estão residindo”, explica Iranilde Teixeira da Silva, assistente social em Itupiranga. Além da rede de assistência social, também foram envolvidas na rede as secretarias de educação e de agricultura.

Nos outros municípios, esforços vêm sendo empreendidos para superar os desafios que se apresentam: em Tucuruí, as constantes trocas de prefeito dificultam a formalização da rede; em Novo Repartimento, é preciso romper o clima de medo. Ali, nos mesmos espaços públicos, encontram-se pessoas envolvidas na exploração do trabalho escravo; há inúmeras ameaças que circulam na região.

Fortalecimento comunitário

Além da formação das redes e de incidir para que o poder público realize ações mais efetivas, outra ação importante do programa RAICE é o fortalecimento comunitário em bairros de onde trabalhadores partem em busca de emprego, seja em fazendas da própria região ou em outros lugares mais distantes.

“Uma comunidade mais fortalecida, que consiga reivindicar seus direitos e construir possibilidades produtivas, certamente tem mais condições de evitar que seus membros se submetam ao trabalho escravo”, avalia Francisco Alan Santos, coordenador do programa RAICE – que também está sendo desenvolvido no Tocantins e no Maranhão. Esse trabalho compreende a identificação das famílias dos bairros, processo formativo sobre direitos e discussão sobre possibilidades alternativas de trabalho e renda.

Até agora, já foram selecionadas as famílias dentro de comunidades identificadas como prioritárias: bairro Portelinha, em Itupiranga; bairro Vila Nova, em Novo Repartimento, e bairro Palmares, em Tucuruí.

O programa já está em sua terceira etapa, cujo foco é o aprofundamento do trabalho de mobilização e fortalecimento comunitário. “São ações totalmente voltadas para as famílias a partir de demandas levantadas por elas próprias, que vão contribuir para a criação de um plano de vida digna e de bem viver”, explica Hilário. “O RAICE é um projeto que visa à melhoria em todas as dimensões da vida pessoal do trabalhador, da vida familiar e da vida da comunidade”, complementa.

Região com alto índice de denúncias

A procuradora do Trabalho Juliana Beraldo Mafra explica que as regiões Sul e Sudeste do Pará têm altos índices de trabalho em condições análogas à de escravo. A Procuradoria do Trabalho no Município (PTM) de Marabá é a segunda unidade do MPT com mais denúncias de trabalho escravo a serem apuradas, perdendo apenas para a Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região. Isso significa que a região da PTM de Marabá, que abrange o sul e sudeste do Pará, possui mais denúncias do que a maioria dos Estados do país.

“A ação preventiva que vem sendo desenvolvida pela CPT, com o apoio da Justiça do Trabalho e do MPT, é fundamental para que a sociedade identifique lesões dessa natureza e denuncie”, diz Juliana. Para a procuradora, a implementação de políticas públicas pela rede, como a prevista na terceira fase do projeto, evita que trabalhadores sejam cooptados para trabalhar em condições análogas à de escravo.

 

TEXTO: COMISSÃO PASTORAL DA TERRA -CPT

 

 

Imprimir