Plano estadual de enfrentamento à violência sexual infantil é lançado em Breves (PA)

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Na presença de integrantes do MPT, MPE e outras instituições, comunidade marajoara foi ouvida em audiência pública e denunciou a ausência de estrutura para combater a violação de direitos contra crianças: “falta até combustível para os barcos da fiscalização”.

Diálogo, integração e resultados. Esses três eixos podem resumir as etapas traçadas por diversas instituições do Pará, dentre elas o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPE), para o combate à exploração sexual infanto-juvenil. Não por acaso, Breves, maior município da Ilha do Marajó, foi escolhido para receber o lançamento do Plano Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes. O arquipélago é apontado como uma das principais rotas da exploração de meninos e meninas no Estado.

O diálogo entre as instituições já vinha se estabelecendo há algum tempo. Durante todo ano de 2014, MPT, MPE, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH) realizaram audiências com empresas e empregados do ramo da navegação, que atuam nos rios marajoaras, sobre os malefícios e a responsabilização civil, criminal e trabalhista advindos da exploração sexual infantil. A integração entre os órgãos pôde materializar-se com a elaboração do plano estadual, que prevê a formação de uma grande rede onde cada um desempenha um papel. Segundo o documento, quer-se “estimular a efetivação de ações estruturantes, intersetoriais e inter-relacionadas, que produzam impactos positivos no desenvolvimento biopsicossocial e cultural das crianças e adolescentes paraenses”.

Agora, a rede busca resultados e o primeiro passo dado foi ir até o Marajó escutar o que a comunidade local pensa sobre o assunto. Na audiência pública, realizada na última quarta-feira (29), na Câmara Municipal de Breves, e presidida pelo promotor de justiça Emério Mendes, membros da sociedade civil e diversas instituições estiveram presentes, como: MPE, MPT, MTE, Justiça do Trabalho, Polícia Militar, Polícia Civil, Secretaria Municipal do Trabalho e Assistência Social e Conselho Municipal da Criança e do Adolescente.

Para Deise Mácola, auditora fiscal do trabalho, o quadro de exploração “não é irreversível, é possível mudar”. Da mesma forma, a procuradora do trabalho Rejane Alves acredita que precisamos “derrubar os mitos e resurgir como fênix”, construindo uma nova história. “A exploração sexual é o sinal do fracasso do Estado brasileiro, cada um de nós tem uma parcela de responsabilidade nisso ou pela ação ou pela omissão, independentemente de ser agente público”, afirmou a procuradora.

Na sequência, Mônica Freire, promotora de justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAO-MPE) apresentou o Plano Estadual de Enfrentamento, segundo ela, um documento criado pela sociedade civil e assumido pelo Governo do Estado como uma política pública. A promotora ressaltou que o plano não prevê só a punição do agressor, mas a reintegração social da vítima, “cada órgão precisa saber com que instituições contar; quando, por exemplo, a fiscalização cabe ao MTE, ao MPE ou o aspecto criminal requer investigação da Polícia Civil”, explicou.

Dificuldades

Muitas foram as dificuldades relatadas, durante a audiência, para a obtenção dos resultados buscados. Uma delas foi a necessidade de estudos com índices de exploração. A carência de dados fechados se coloca como entrave à ação, uma vez que os crimes contra criança acontecem, grande parte das vezes, à surdina, inclusive dentro da própria casa, sem que sejam denunciados. Uma tentativa de se levantar números de crianças e adolescentes explorados foi a aplicação de um questionário, elaborado conjuntamente pelo MPE, MPT e outras instituições, nas escolas marajoaras, no entanto somente 3 municípios do Marajó compareceram à reunião sobre a ferramenta.

Especificamente em relação ao arquipélago, há o “gargalo” relativo às distâncias entre uma localidade e outra e o acesso difícil por via fluvial. De acordo com delegada da Polícia Civil de Breves, há falta de estrutura para a checagem das denúncias, considerando, por exemplo, que a Polícia recebe cota de cerca de R$ 600 mensais para combustível, e algumas vezes, precisa atender denúncias em localidades a dias de distância de barco, o que custaria mais que o dobro do valor mensal disponível.

A distância, o acesso e também a “cultura da naturalização” contribuem para a manutenção das chamadas “meninas balseiras” no Marajó , que entram nas embarcações a pretexto de vender frutas e camarão, mas na verdade são exploradas sexualmente a troco de qualquer coisa, muitas vezes, incentivadas pelo próprios pais. “As pessoas aqui acham que cultura passa por cima de crime, que uma menina de 13 anos pode viver maritalmente com um senhor de 60 porque a família a entregou a ele por não ter condições de criá-la”, disse uma conselheira tutelar, ressaltando a insuficiência do número de Conselhos no arquipélago para atender às crescentes demandas.

De acordo com dados apresentados por ela, no ano de 2014, foram registrados 22 casos de abusos sexuais contra crianças no município de Breves, que possui mais de 100 mil habitantes, enquanto em 2015, de janeiro a abril, já foram feitos 15 registros. Muitas dessas denúncias terminam sem punição ao agressor, também pela dificuldade em se provar o fato. Não existe perito em Breves que realize exame sexológico forense, o qual é feito por clínico geral. Nessas ocasiões, só é considerado abuso quando há penetração, descartando outros modos em que a vítima pode ser abusada.

Ao fim da audiência, foram pontuadas algumas resoluções estabelecidas durante o evento. Foi formalizado compromisso da vereadora Vanacy Leão de, juntamente com outros vereadores, levar ao prefeito de Breves a questão dos questionários para que sejam aplicados o quanto antes, “precisamos de um diagnóstico”, disse. Também restou constada a necessidade de requerer corpo técnico operacional, como um perito fixo para o município e um promotor de justiça. Este último, segundo o MPE, já está em vias de provimento, a partir do resultado do último concurso para membro da casa. Quanto à quantidade de Conselhos Tutelares, o próprio Plano Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual prevê, em sua fase de monitoramento, a verificação da proporcionalidade entre o número de conselhos e o número de habitantes de cada município. E, finalmente, foi requisitada à ONG Rádio Margarida a produção de material para desenvolvimento de atividades nas escolas.

De acordo com a procuradora do trabalho Rejane Alves, “precisamos fazer um exercício de compaixão social e nos colocar no lugar dessas crianças”, falou. Para ela, “nem tudo está perdido”, as instituições estão se unindo e a meta agora é chegar às famílias. “Faço um apelo às famílias, não deixem suas crianças caírem na exploração”, finalizou.

 

Ministério Público do Trabalho
Assessoria de Comunicação


 

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